sexta-feira, 13 de maio de 2005

MINHA MÃE

Na verdade, eu pensei em falar somente sobre minha mãe. Mas, na proporção que as lembranças vieram à tona, mexeram e mexem muito comigo, acabei fazendo uma mistura de tudo, de acordo como os sentimentos me vieram. Eis a história:


1. Minha mãe: Mulher guerreira, corajosa, determinada, fortaleza. Durante muitos anos alimentei um sentimento de mágoa com minha mãe, por não entender pq ela sempre fazia questão de afirmar que não dava mimo a filho, que isso era besteira, ou que isso prejudicava a educação. Ela sempre afirmava que não sabia o que havia comigo, pois ela não me mimava e não compreendia por que eu era tão cheia de dengo: - Imaginem se eu desse dengo a essa menina! Exclamava mamãe sempre que podia.
Uma outra coisa que influenciou negativamente nosso relacionamento, foi ouvir durante muitos anos minha mãe afirmar que foi muito triste pra ela ver nascer uma menina e não um menino. Puxa Vida! Foi frustrante conviver com isso até meus mais ou menos 33 anos de idade.


Um certo dia, já morando em Fortaleza/CE; sentados à mesa conversando sobre vários assuntos, minha cunhada Marina, esposa de meu irmão caçula Odílio, estava presente. Eles vieram nos visitar, pois morvam em Goiás nessa época participou dessa conversa.
(Quando viemos para Fortaleza, eu, tres filhas e meu terceiro marido, fomos morar na casa dos meus pais, até nos estabilizarmos). Essa convivência sob o mesmo teto, (o retorno), foi bastante conflituosa. Mas, em outros aspectos, no mínimo, esclarecedora). Pois foi aí, que ficou claro que aquela afirmação se dava ao fato dela saber que a mulher passa por mais dificuldades que o homem. Passa por: preconceitos, menstruação, cólicas, gravidez, dores do parto, etc... e listou incontáveis itens que no entendimento dela, fazem com que as mulheres sofram mais que os homens. E ela como mãe protetora que é; Não suportaria ver sua filha passar por todas essas experiências inevitáveis. Impotente.

Começou aí, como que de forma providencial; a revelação de vários mistérios que cercaram durante tantos anos nossa relação de mãe e filha e a discipar um sentimento negativo, nutrido durante mais de 30 anos de mágoas escondidas e muitas vezes inconsciente.

Eu nunca recebia elogios, pelo contrário, sempre foram comuns, eloqüentes e em alto e bom som (literalmente) as críticas, julgamentos e rótulos: Ser chamada de dengosa e mimada (tinha um tom de escárnio, pejorativo mesmo). então esses rótulos eram os melhores, ou mais amenos... rsrsrs... Hoje se me chamam de dengosa e mimada é elogio. Me faz sentir mais mulher...

Até bem pouco tempo eu não entendia porque eu sentia tanta necesidade de ser elogiada, me intrigava o fato de NUNCA fazer algo bom e digno de aprovação. Porém, quando os elogios começaram a surgir, eu não sabia o que fazer, como reagir; eu sentia um retorcer no meu estômago, e dependendo da pessoa tinha um tom de chantagem, de compra. Eu imaginava: lá vem exploração.

Eu não fui educada com abraços, beijos, afagos, pelo contrário, parece que esses gestos eram meio suspeitos, parece que tudo tinha um ar de censura libidinosa. O toque tinha geralmente uma conotação pecaminosa. Eu adoro beijar, ser beijada, abraçar e ser abraçada.

Lembro-me quando moramos no Andaraí pela segunda vez. Provavelmente, eu tivesse ai com meus 10, 11 anos e meu pai, passara por uma cirurgia de varizes, resultado de trabalhar tantos anos em pé como torneiro mecânico na aeronáutica. Quando ele chegou do hospital, foi para a casa de uma sobrinha dele a minha prima Irene e seu esposo o primo Josias, o acesso à casa deles era melhor do que pra casa que morávamos na rua do Diogo, por ser uma subida menos íngreme. Eles eram extremamente carinhosos, dengosos entre eles e seus filhos; quando eu e meus irmãos chegamos para ver o papai que havia chegado. Eles alegres entusiasmados diziam: entrem abracem seu pai, beijem e tanto eu a mais velha, quanto meus irmãos, lembro-me melhor do Edson o que vem logo depois de mim. Não sabíamos como fazer, como abraçar? Como beijar? E completamente sem jeito, cheios de braços e pernas saira um abraço desajeitado e com gosto estranho com aquela sensação de contração no estômago. A poucos dias conversei com Edson que continua morando no Rio, em Campo Grande por ocasião do aniversário dele no dia 21 de abril. Falando pra ele que precisamos nos ver, pois estou escrevendo minha lembranças e ele tem uma memória de elefante, diferente de mim. E tocamos nesse assunto, e ele lembra exatamente como eu em detalhes. Fiquei impressionada, ao ver confirmado por ele os mesmos sentimentos que tive. Acho que isso realmente nos marcou.

Tínhamos em casa muito grito, susto, tudo tinha que ser muito rápido, pois éramos lerdos, não aprendíamos nada: - Não ta vendo como eu faço. Presta atenção! Gritava a mamãe conosco, que não entendíamos o que ela estava fazendo, o que ela queria dizer. E sempre muito exigente, para fazermos exatamente como ela fazia. Não serve de outro jeito, mesmo que dê o mesmo resultado. Diante desses fatos, desestimulados de desenvolver qualquer tarefa, éramos taxados veementemente de preguiçosos. Ai como até hoje tem um efeito ruim quando ouço essa acusação! Embora já tenha me trabalhado bastante. Inclusive com a ajuda de Milton Nascimento. Quando ele diz na sua música:

“... Viva a preguiça que só a gente é que sabe ter, assim... doido pra ver o meu sonho teimoso um dia se realizar...”

Ás vezes me surpreendo agindo muito parecido com meus filhos, fico indignada comigo mesma e não compreendo como eu posso fazer isso... ! Tento várias vezes fazer diferente, me esforço em mudar, e quando menos espero, me flagro novamente reproduzindo o mesmo erro.
“...Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais....
Apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos,
ainda somos os mesmos e vivemos,
como nossos pais...”
(Já dizia Belchior)
Acho que isso acontece não só por fatores psicológicos, mas também pra gente poder compreender melhor nossos pais e ter certeza de que eles não fizeram o que fizeram por maldade ou outro motivo que não inconscientemente reproduzir o que lhes fizeram no passado. Do que impregnaram suas mentes e sentimentos também:

Ouvi nesse último final de semana na televisão por ocasião das comemorações do dia das mães; 02 comentários que reforçaram esses meus sentimentos:

Um foi o apresentador Luciano Hulk recentemente pai. Dizendo que só agora que se tornou pai, sente que pode compreender melhor sua mãe.

O outro comentário foi do esposo da cantora Elba Ramalho: - dizia ele sobre sua filha adotiva: “- Só agora compreendo porque a Elba ao terminar um show de madrugada, ligava pra casa pra saber do Luan (filho do primeiro marido de Elba), continuava ele: - Eu sabia que ele estava dormindo. Hoje sou eu que quero ligar e saber como está ....

Isso ilustra o sentimento de carinho redobrado que nasceu em mim, em relação a minha mãe e meu pai. Ao perceber o que aconteceu com eles. Sei que ainda não consegui expressar de forma clara para minha mãe.

Para o meu pai, não tenho mais chances. Embora, acho que consegui passar pelo menos que eu o admirava; Pois a despeito da vida ele tinha sede em adquirir conhecimento, em se educar, ler. Aprendera teoria musical, regência, do modo como ele solfejava qualquer partitura sem nenhum instrumento; Eu sempre lhe dizia:
- Pai, eu só quero uma herança sua quando vc morrer. E ele perguntava,
- O quê?
- Seu talento, a facilidade de como você lê partituras.



Mas minha mãe taí, hoje com 74 anos), e eu preciso urgente deixar tudo isso muito claro para ela.

Imaginem! Mamãe, filha de filho de escravos e de filha de Italianos, quando revejo a história, as datas dos seus nascimentos fica claro as condições em que eles foram gerados, criados, como e o quê aprenderam da vida.

Meu avô: nascido em: setembro 1890 – 2 anos depois, segundo a história, de promulgada a Lei Áurea. Lei, que dizia abolir a escravatura. Mas, essa lei não assegurou aos negros, passagem de volta à sua pátria de onde foram sumariamente seqüestrados, nem permitiu com que eles retornassem ao seio de suas famílias, que se encontravam dispersas, distribuidas em vários países, sem conhecimento do paradeiro uns dos outros. Assim, como não assegurou acompanhamento psicológico para tratamento dos traumas causados por tudo isso e por tantos outros sofrimentos a que foram submetidos durante anos. Tratamento desumano; a base de chibatadas, estupros, desrespeito em todos os níveis dos DIREITOS HUMANOS, muitas vezes como a animais sem raciocínio, alma, sentimentos...

Qual o paradigma este homem ao se tornar pai teria para lidar com a complexidade que é educar e proteger seus filhos?
Minha mãe conta, que quando ela tinha 18 anos, se interessou por enfermagem, e se matriculou em um curso para se preparar como Auxiliar de Enfermagem; pois tinha muita vontade de mais tarde trabalhar como farmacêutica. Desistiu do curso que tanto queria porque meu avô dera um tapa em seu rosto por ela insistir em ir para as aulas.
Meus tios, todos brutalmente açoitados por qualquer motivo. Igualmente como fizeram com sua família e como ele aprendera durante tantos anos.

Minha avó branca, filha de italianos, não conheço bem a origem e história. Mas pelas condições financeiras, fico imaginando ser filha de imigrantes que vieram para o Brasil sonhando com uma vida melhor. Fugindo da miséria, causada pelas guerras na Itália. Foram também explorados aqui no Brasil. Gentes tratadas com desdém e como sub-espécie da raça humana. Assim, fica claro pra mim. O tamanho dos complexos de inferioridade que minha família tem. E que acho, sobrou ainda para meus filhos. Embora sejam eles já a quarta geração. Vejo gente extremamente talentosa, mas, sem conseguir desenvolver, expor seus talentos, bloqueados por um profundo complexo de inferioridade.

Eu mesma, sempre soube que grande parte do que sempre chamaram de espontaneidade era na verdade uma profunda luta interior para não me recolher a um cantinho escondido e escuro onde ninguém me visse. Isso explica os meus gestos, estabanados, esbarro em tudo, deixo tudo cair, me atropelo, outra vezes atropelo os outros. E faço graça com tudo, transformo num jeito descontraído de ser.

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