quarta-feira, 4 de maio de 2005

ANOS 70

BLACK SORRIA





Meados dos Anos 70 – Exatamente aos 18 de março de 1975.




Enquanto isso no panorama político nacional:

· 25.out.1975 - O jornalista Vladimir Herzog é morto sob tortura nas dependências do DOI-Codi.

O boletim da polícia apresenta a versão de que Herzog se suicidou por enforcamento;
· 31.out.1975 - Mais de 10 mil pessoas participam de um ato ecumênico na Catedral da Sé em memória de Herzog;
· 17.jan.1976 - O metalúrgico Manuel Fiel Filho morre nas dependências do DOI-Codi e a versão é de que o operário teria cometido suicídio
;

Paralelo a todos os acontecimentos políticos, ressurgia o movimento Black Rio.

"...Mas o despontar do orgulho negro incomodava o poder...
“Os primeiros bailes do que se pode chamar de black music
surgiram no início dos anos 70, no extinto Astoria, clube que ficava
no Catumbi. (...) Depois, os eventos foram indo para a Zona Norte
(Rocha Miranda, Colégio, Guadalupe) e para a Zona Oeste (Realengo, Bangu),
regiões que tinham clubes com capacidade para até 10 mil pessoas.
Mas o clube Carioca, no Jardim Botânico, também dava chance aos da Zona Sul
(quer dizer, os ‘bacanas’ do Rio) de dançar soul music, se quisessem...”
Depois da mídia tornar aquele movimento conhecido como "Black Rio",
Paulão, dono da equipe Black Power, e Nirto e Don Filó, da Soul Grand Prix,
chegaram a ser detidos pela polícia política da ditadura militar,
o DOPS, que acreditava que por trás da organização dos bailes havia
grupos revolucionários de esquerda. Nada disso. Eles mesmos diziam
aos jornais: "É só curtição, gente querendo se divertir...".
Mas o despontar do orgulho negro incomodava o poder...
Da mesma reportagem do JB:
“As 'duras' da polícia, comuns no caminho de quem ia aos bailes,
viraram cadeia para alguns dos expoentes do circuito black.
‘Em 74, entrou um batalhão no Guadalupe Country Clube, no lançamento
de um disco da equipe Soul Grand Prix’, lembra Don Filó.
‘Peguei o microfone e agradeci a presença do coronel, dizendo que ele
estava ali para garantir a ordem. Foi tudo que pude fazer.
Ele falou que eu tinha resolvido um problemão, porque a ordem era baixar o cacete.
Puseram um capuz em mim e fui levado para interrogatório’, completa o veterano.”
E eu estava lá em todos esses clubes mencionados acima, nós éramos fãs das duas equipes tanto a Soul Gran Prix, como a Black Power, e seguíamos as equipes por onde elas fossem. Usei calça boca fina, sapatos coloridos de 2, 3 andares, cabelo Black Power.
E tinha o maior orgulho disso. Meu irmão Edson também foi um Black. As domingueiras aconteciam no Mesquita Futebol Clube.

Haviam dois grupos os que curtiam Soul Music, os Blacks e os que curtiam Rock, os White.

Aliás, embora eu estivesse circulando pelo centro do Rio durante a ditadura,

Embora tudo isso acontecesse no auge da ditadura, e eu e meus amigos vivenciássemos aquele momento, deliberadamente não me tornei uma militante. E nem conheci alguém que confessasse ser; primeiro porque era lei do silêncio, era PROIBIDO falar de suas convicções políticas, falar mal muito menos, pior ainda arregimentar pessoas. Caso alguém fosse pego cometendo uma dessas infrações sofria as piores conseqüências que hoje conhecemos.

Segundo porque nós da periferia, analfabetos ou semi-analfabetos em sua maioria, não éramos ameaça para ninguém, o plano ‘deles’ estava dando certo: Preocupados em viajar horas pra chegar ao trabalho, depois de tanto sufoco pra chegar, ainda ter que encarar a cara feia do patrão ou do chefe e ser criativo na justificativa, pra não ser repetitivo no: O trem avariou. Com tanta preocupação, éramos “felizes, ou infelizes alienados.

Mas..., Eu sempre me via conduzida de uma forma meio inexplicável para ações e luta por melhores condições fossem elas culturais ou não... Quando aos meus 15 anos, como já contei senti o desejo de dar aulas pelo extinto MOBRAL. Fui impulsionada depois de conhecer, lá em Vila Marina/N.Iguaçu, tanta gente bem mais velha que eu sem saber ler. O que contei com a ajuda de meus pais.
Então na época do soul, embora eu curtisse os bailes, as turmas, as farras, minha juventude; não se afastava de mim o interesse em precisamos fazer alguma coisa, porque acredito que é possível.

Parte da turma que viajava junto nos trens e curtia os bailes Com o Movimento negro daquela época reforçou em mim essa necessidade. Eu levava muito a sério a expressão: BLACK POWER. O poder negro. Que poder era aquele, que na turma que eu pertencia a do trem e as dos bailes, das praias, (a que eu andava, mas, quantas outras turmas existiam?); eu era uma dos poucos que éramos uma espécie de elite, privilegiados por trabalharmos como Auxiliar de Escritório. (E olha que eu carregava minha marmitinha igual aos “peões”, alcunha para referirmos aos cargos de escalão mais abaixo).
A maioria da nossa turma era formada por: ajudantes de pedreiro, cada gatinho! Ajudante de eletricista, ascensoristas, Office-boy, balconistas, empregada doméstica. Não que isso fosse indigno, o que eu achava indigno era quando a gente percebia que não era uma escolha, uma opção e sim, uma imposição do sistema que nunca proporcionou condições pra que eles se enchessem de conhecimento, para então decidir e com orgulho bater no peito eu sou pedreiro.

PERIFERIA É PERIFERIA
”Gente pobre, com empregos mal remunerados, baixa escolaridade, pele escura. Jovens pelas ruas, desocupados, abandonaram a escola por não verem o porquê de aprender sobre democracia e liberdade se vivem apanhando da polícia e sendo discriminados no mercado de trabalho. Ruas sujas e abandonadas, poucos espaços para o lazer. Alguns, revoltados ou acovardados, partem para a violência, o crime, o álcool, as drogas; muitos buscam na religião a esperança para suportar o dia-a-dia; outros ouvem música, dançam, desenham nas paredes...
... Por incrível que pareça, não é o Brasil. Falamos dos guetos negros de Nova York nos anos 70, tempo e lugar onde nasceu o mais importante movimento negro e jovem da atualidade, o Hip-Hop.
As semelhanças não são coincidência: tanto os Estados Unidos como o Brasil foram construídos com o trabalho escravo de negros seqüestrados de suas terras na África. Aqui e lá, a abolição da escravatura foi conseguida com luta e revolta, batalhas incontáveis, meras notas de rodapé nos livros de História, cheios de seus heróis brancos tão generosos, que estenderam a mão para tirar índios e negros de sua ignorância, seus costumes bárbaros, suas religiões pagãs.
Como no Brasil há tantos nordestinos na periferia., nos guetos americanos juntaram-se aos negros outros marginalizados. Em Nova York, completaram o caldeirão humano do gueto os imigrantes latinos, de países como México e Porto Rico, também considerados ralé pelos americanos brancos, por sua pele morena e olhos indígenas, herdados de seus ancestrais igualmente escravizados”.

Como viviamos na própria carne essa realidade; juntamente com alguns irmãos black’s; não me lembro de todos, bem que gostaria. Um deles que foi marcante pra mim; o Jorge; acho pelo fato dele cursar direito e eu acreditava na influencia dele como exemplo de negro, da periferia de família pobre mas tava ali cavando seu espaço e que teria acesso onde precisássemos buscar ajuda, ajudaria abrir portas pra desenvolver um projeto de alfabetização, e de desenvolvimento cultural e profissional de nossos irmãos. E assim, ampliar nossos horizontes e sermos mesmo de verdade respeitados.

Decidimos que o local dos nossos encontros seria numa pracinha da estação de Juscelino Kubitschek, ela ficava entre as duas estações a de Juscelino e a de Mesquita, aos sábados à tarde, porque boa parte dos irmãos black’s, trabalhavam até meio-dia, viam de trem e assim ficaria central para todos já que também era o point da ‘negrada’ da linha do Japerí. Eu tratei logo de criar uma ficha-questionário, que nos daria uma amostra de toda a situação de cada membro do grupo, desde a escolaridade de seus pais, suas profissões até a do membro propriamente dito. Datilografei tudo no meu trabalho, fizemos cópias e fomos à luta. Não me lembro de chegamos a cinco reuniões. Hoje, revendo todo o quadro daquele momento, imagino que talvez o Jorge por ser o mais informado do grupo pode ter sido quem sabe? Pressionado à não incentivar que o grupo se firmasse. E o movimento rapidamente se desfez. Na época eu não fiz a menor ligação com o momento político.

Aliás, embora eu estivesse circulando pelo centro do Rio de Janeiro, durante a ditadura, das cenas me vêem a mente, presenciada por mim da violência da época lembro-me dessa:
Certa vez, eu estava saindo do trabalho por volta das 18:00h. Como de costume encontrava-me com Adilson e íamos a pé até a Central do Brasil. Isso era costume de quem trabalhava no centro do Rio, economizava-se uma passagem e descansávamos de tanto transporte. Nessa época eu era muito colada o Adilson; caminhávamos e de repente, num determinado ponto da Av. Barão do Rio Branco; encontramos com um grupo da cavalaria, muita gente correndo de um lado para o outro, gritos, estrondos, bombas de gás lacrimogêneo lançada para todos os lados; me lembro que o Adilson que me orientou para que andássemos abaixados por que o gás subia e em baixo os efeitos eram menores. Eu tremia de medo e não tinha clareza do que significava aquilo, o porquê daquilo tudo. Hoje relembrando é que percebo quão tenebrosos foram aqueles dias e como o silêncio era imposto a todos. A ponto de eu estar ali e ficar completamente alheia ao que de fato acontecia. De vez em quando me pergunto: -Como seria se naquele momento eu tivesse a clareza que tive mais tarde?

Adilson era um negão de mais de 1,80cm, bem magro. Para aquela época ele era uma figura inusitada. Andava sempre com seus cabelos totalmente crespos amarrados com rabo de cavalo, ou tranças afros. Hoje, quem me lembra demais do Adilson, e tem o mesmo estilo que Adilson tinha há taantos anos atrás é o músico e cantor: Seu Jorge.

Nessa época ele cursava física na UFF – Universidade Federal Fluminense – Niterói/RJ. Que saudade do Adilson! Gostaria imensamente de reencontrá-lo. Ele era bem mais velho que eu. Só que com uma cabeça super jovem, e o que mais me atraia nele era o conhecimento. Nossa! Como eu aprendi com Adilson, ele trabalhava num escritório na Av. Barão do Rio Branco e quantas vezes, em meus momentos depressivos, até hoje ocorrem em momentos de muitas interrogações; ia pra lá e ele me recebia e falávamos, falávamos e nisso como eu aprendia. Nessa época eu havia parado de estudar, tinha feito o 1º ano do ensino médio, naquela época do 2º grau, e quando eu decidi fazer o supletivo para concluir o 2º grau e tentar vestibular. Recorria a ele, fui algumas vezes em sua casa na Vila da Penha e outras ele foi à minha, me ensinar matemática, até então, era analfabeta em matemática. Ele me fez descobri que o método usado comigo até então é que encobria a magia que existente nas ciências exatas. Prestei o exame e tirei a melhor nota de matemática em toda minha vida. Graças ao Adilson.
Ah! Eu havia parado de estudar pelos mesmos motivos que a maioria dos que moram na periferia param. A distância, horas e horas desperdiçadas viajando de ida e volta ao trabalho. Eu, ainda na ânsia de sair daquela situação que eu não aceitava, acumulava várias atividades como: Trabalhar no Centro do Rio de 2ª a 6ª, com todas as dificuldades já descritas acima, no retorno, descia do trem na estação de Nova Iguaçu já atrasada para ir direto, sem jantar, para o colégio, o Afrânio Peixoto, acho que foi lá que conheci a Gleyse (falarei dela mais à frente). Nos sábados, embora eu não trabalhasse, eu acordava também muito cedo e ia para o Méier, pq fazia um curso de Programação em Cobol, saía de lá perto de 12:00h. Pegava outro trem de volta à N.Iguaçu e ia direto, sem almoçar para o curso de inglês, No Curso West Point. Fiz minha segunda estafa, de acordo com avaliação médica.
Depois dos exames do Supletivo do 2º grau, em dezembro desse mesmo ano, prestei vestibular para Engenharia eletrônica porque o que eu gostaria de fazer mesmo Análise de Sistemas, mas, naquela época não existia curso de graduação para essa área. Era uma especialização.
A prova classificava o candidato para as Faculdades Públicas ou Particulares, a gente optava, quais nos interessava em ordem decrescente e a nossa nota determinava. O local designado pra eu fazer o exame foi na Faculdade de Nova Iguaçu, ficava na Estrada de Madureira, depois do bairro Jardim Alvorada. O ônibus que saia do bairro Vila Marina até ao centro de Nova Iguaçu obrigatoriamente passava ali em frente e todas as vezes que eu passei ali, acalentei o sonho de um dia cursar em uma. Lembro-me, que ao descer do ônibus ali para prestar o exame, me emocionava. Fiz boa pontuação, porque algumas matérias me ajudaram como: inglês, as dicas de matemática do Adilson, mas infelizmente, a minha classificada só daria pra entrar em uma Particular e isso eu não tinha condições. Poderia tentar de novo, mas, desviei do curso da vida e dei bobeira, explico lá na frente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

- COMENTE, OPINE, DÊ SUGESTÕES.
- Depois de comentar. Indique para um amigo.